Sandra Reis

Sandra Reis

Quem sou eu

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil
Minha vida não é uma linha reta, é cheia de curvas. Feita de encontros e reencontros. Gosto das palavras simples e humanas. Meu coração se expressa pelas mãos. Quando amo, me entrego. Sou toda feita de eros. Tantas pessoas e, no entanto, apenas esta pessoa. Meu Deus não tem religião. Ele está presente em todos os seres humanos, em toda a natureza. E todas as feridas cicatrizadas me ajudam a compreender o eterno.

domingo, 16 de setembro de 2007

Brumas do passado ( Sandra Reis)


Eu tinha vinte e dois anos e logo iria fazer vinte e três. Havia chegado em Genebra há poucos dias.
A única pessoa amiga que eu poderia contar, e que falava também o português era o
Sr Candeau, na época Presidente da Organização Mundial da Saúde, pai de um amigo de minha irmã.
Ele me recebeu na própria OMS e depois me convidou para ir à sua casa.
Lá, me apresentou à sua mãe. Para mim, ao longo desses anos, ficaram registradas nossas conversas naquelas agradáveis tardes.

Na frente da casa, tinha um jardim e estávamos na
primavera. As flores perfumavam o local com seu aroma. Mme Reefls me recebeu com um sorriso, convidou-me para sentar e me ofereceu uma xícara de chá.
Em seguida perguntou se eu me sentia feliz por
estar estudando lá.
Me lembro de ter tomado a decisão de ir, porque não me sentia feliz.
E agora, eu estaria?
Até viajar, eu fazia o curso de Comunicação, na Puc de Petrópolis, e não estava empolgada.
Eu morava em Teresópolis então.
Naquele momento, em Genève, tudo me parecia perfeito. Eu via apenas a beleza nas pessoas, o bem que existia nelas.
Era como se usasse óculos cor-de-rosa.
Disse isso para a senhora, e ela me fez ver que eu deveria ter sempre este hábito,
de não prestar atenção nos problemas que existem nos outros.
Embora eu estivesse diariamente com pessoas de minha idade. Eu tinha um carinho
especial pela minha velha amiga de alma jovem.
Ela era elegante, de gestos delicados, e tinha um intenso brilho no olhar.


Comecei a fazer um curso de recepcionista.
Houve uma ocasião em que algumas de nós seríamos escolhidas para recepcionar uma feira de automóveis.
A competição era grande.
Voltei à casa de Mme Reefls para uma segunda visita. Depois de tomarmos chá,
ela apontou para o cume do Mont Blanc e disse que a maioria dos alpinistas só
visavam chegar ao topo, não dando importância ao prazer da escalada.
Então, eu compreendi e procurei relaxar, fôsse qual fosse o
resultado.
Mas eu fui chamada para recepcionar o Salão Anual de Automóveis. Vesti um uniforme
vermelho com chapeuzinho, très chic. Estava um charme!

Na semana seguinte, subi o Mont Blanc de trenzinho e desci a pé com uma amiga francesa.
Ela foi minha única amiga na época. Tinha parentes que moravam lá.
Jovens fazem loucuras. Assim, depois de algumas horas, deixou de ser prazerosa
a descida!
Estávamos exaustas. Víamos os alpinistas descendo bem rápido.
Chegamos à noitinha lá em baixo. Mortas de fome e com vontade de fazer pipi,
entramos no primeiro restaurante que vimos. E tomamos uma sopa bem quente!

A minha turma era composta praticamente de inglesas e francesas.
Havia algumas americanas em menor quantidade. Eu era a única brasileira. E a única que não falava francês fluentemente.

Elas saiam muito pra se divertir. E achavam uma raridade eu ser virgem ainda com
23 anos.
O curso tinha aulas também de etiqueta, como andar, colocar um blaiser, além das
matérias como literatura e história.

Conheci um rapaz suíço que me levava para jantar fora sempre.
Um dia, resolvi ir a Paris de trem e não o avisei. Quando voltei, recebi um bouquê de rosas vermelhas enviado por ele .
Eu morava na Cidade Universitária.
Ele queria que eu ficasse em Genebra, não voltasse para o Brasil.
Mas eu não queria ficar longe de minha família.
Quando retornei de meu passeio, havia perdido meu quarto na Universidade.
Tive que morar em um pensionato alemão. Só tinha um problema: O banheiro
ficava trancado para banhos, o que só podia ser feito uma vez por semana!
Precisei pedir à minha amiga para tomar banho na casa dos tios dela.
E assim, pegava ônibus diariamente para “ tomar meu banho”.
Um dia, torci meu pé na rua. Caí no chão de dor e ninguém me ajudou!
Eu parecia invisível. As pessoas passavam por mim direto. Fui me arrastando para pegar um táxi e fui para o hospital. Não havia fratura, mas mesmo assim engessaram
meu pé.


Estava chegando o fim de minha estadia. Meu curso havia terminado.
Fui me despedir de Mme Reelfs, que havia aquecido meus dias com tanta ternura,
e pacientemente ouvido meus desabafos.
Ficávamos horas conversando e até hoje não assimilei a sua ausência.
Ela está lá, nas brumas do meu passado, que de quando em quando eu resgato
em minhas lembranças.

Caminhei de volta para meu quarto. Precisava fazer as malas.
Pensei na sorte que tive ao conhecer pessoalmente o Mestre Espiritual Krishnamurti dando palestras na Universidade. Já havia lido muitos livros dele antes de conhecê-lo.
Nada acontece por acaso.
Pensei nas minhas dúvidas, na timidez que me impediu de fazer novas escolhas.
Pensei nas pessoas que conheci e que de alguma forma suavizaram meu caminhar.
E me senti grata por ter tido essa chance mais uma vez.

Faltavam poucas horas para meu embarque e o fecho de minha mala rembentou! Não tinha a quem recorrer. Liguei para o Sr Candeau e pedi ajuda,
Ele foi rápido até onde eu estava, e começou a jogar fora o que achava que era bagulho: rolinhos de cabelo, cremes, revistas...
No aeroporto comprou uma mala nova para mim. E antes de me dar o último abraço,
me entregou um bilhete de sua mãe, Mme Íris Reelfs, que dizia:
“ Il est plus important de cultiver sés qualités que de lutter contre sés défauts”**.
Para mim, este é um bilhete atemporal. Um bilhete com um poder alquímico,
um amuleto que emite amor e que simbolizou momentos lindos e inesquecíveis.
E agora, quando olho para este bilhete, sinto que o tempo não passou. A nossa memória conserva eternizada, pelas emoções, o amor que transmitimos e que ainda
guardamos em nossos corações.

** É mais importante cultivar suas qualidades que lutar contras seus defeitos. (tradução da frase).

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